quarta-feira, 22 de maio de 2013

Justiça decide que pastor com remuneração e não voluntário tem vínculo empregatício

O trabalho no âmbito das instituições religiosas não exclui, por si só, a possibilidade de relação jurídica de emprego, principalmente se ficar provada a falta de voluntariedade na prestação laboral. Com este fundamento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul confirmou sentença que reconheceu vínculo de emprego entre um pastor e a igreja para a qual trabalhou por mais de ano.

O relator do recurso da igreja, desembargador Raul Zoratto Sanvicente, de início, replicou o argumento usado pelo juízo de 1º grau: ao não comparecer na audiência de instrução, a parte ré incorreu em ‘‘confissão ficta’’. Ou seja, a revelia faz presumir como verdadeiros os fatos afirmados pela parte reclamante na inicial.

Segundo o relator, apesar de a parte ré defender a tese de que o reclamante tornou-se membro da congregação de maneira voluntária e progressiva, primeiro auxiliando na realização dos cultos e, após, trabalhando como pastor, não havia a mínima prova que desse respaldo a essas explicações.

‘‘Inexiste, portanto, demonstração de que o labor prestado revestiu-se de traços voluntários, o que serviria para afastar a configuração do vínculo empregatício. Logo, e também em razão da confissão ficta na qual incorreu a ré, deve prevalecer a versão da inicial, no sentido de que o reclamante não fazia parte da entidade religiosa e foi contratado com o propósito específico de exercer a função de pastor’’, finalizou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 18 de abril.

O caso

Robis Araújo Feitosa contou à Justiça do Trabalho que laborou na condição de empregado para a Igreja Mundial do Poder de Deus, no período de 1º abril de 2010 a 31 de maio de 2011, quando foi dispensado sem motivo. No cargo de pastor, disse que pregou para a igreja nos municípios gaúchos de Giruá, Veranópolis, Ijuí, Rio Grande, Butiá, Porto Alegre e, por último, em Panambi.

Em todas essas localidades, afirmou, era o único pastor presente e fazia três cultos diariamente: às 9h, 15h e 19h30, com duração média de 1h30 a 2h. Além da moradia, mensalmente recebia ‘‘ajuda eclesiástica’’ no valor inicial de R$ 800 — que depois saltou para R$ 1,2 mil após um ano de trabalho.

Na reclamatória ajuizada, o autor pediu reconhecimento de vínculo, anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), quitação das parcelas trabalhistas e pagamento de dano moral.

A igreja não nomeou representante para comparecer à audiência inaugural — para depor e apresentar contestação — promovida pelo Posto Panambi, que está afeto à Vara do Trabalho de Palmeira das Missões. Por isso, foi considerada revel e ‘‘fictamente confessa’’ quanto à matéria de fato.

A sentença

O juiz Ivanildo Vian explicou, de forma didática, que a Consolidação das Leis do Trabalho vê o contrato de trabalho como o vínculo pelo qual uma pessoa física (empregado) se compromete a prestar serviços de forma onerosa (por salário), pessoal, subordinada e não eventual para outra pessoa física ou jurídica (empregador). E este último assume os riscos do empreendimento. Assim, na ausência de qualquer um desses requisitos, não há relação empregatícia.

De acordo com o juiz, a onerosidade significa que os serviços prestados pelo trabalhador devem ser necessariamente contraprestados mediante o pagamento de determinada verba. Assim, os serviços não podem ser a título gratuito, filantrópico ou gracioso, sob pena de macular a configuração do vínculo de emprego. Já a não-eventualidade significa a inserção dos serviços prestados pelo trabalhador dentre aquelas atividades consideradas necessárias ao tomador. Os serviços, portanto, não podem ser aleatórios, cuja importância ou necessidade não sejam permanentes.

Quando se fala em pessoalidade — discorreu o juiz —, significa dizer que os serviços devem ser prestados pessoalmente pelo trabalhador, sem a substituição por terceira pessoa, por meio de empregado ou preposto.

A subordinação — o mais importante e complexo dos quatro requisitos — deve ser considerada no seu aspecto jurídico. Afinal, é do elemento ‘‘subordinação’’ que nascem os poderes patronais de direção, comando, controle e de disciplina, aos quais correspondem as obrigações de obediência, diligência e fidelidade do empregado, completou.

No caso, como a parte reclamada acabou ‘‘fictamente confessa’’, o juiz reconheceu a existência do vínculo empregatício, como pleiteado na inicial. Negou, entretanto, a reparação moral, por entender que o inadimplemento das verbas trabalhistas não enseja, por si só, abalo moral indenizável.

‘‘A reparação devida, neste caso, já restou assegurada quando reconhecida a obrigação patronal quanto ao correspondente pagamento, com acréscimo de juros e correção monetária, sem que disso decorra qualquer presunção de abalo moral’’, encerrou.



Fonte: Conjur
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