quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Mata do Iguatemi vira "Monte Sagrado" para evangélico e refúgio de viciados em crack

Era para ser uma mata protegida em uma das regiões mais carentes de áreas verdes de São Paulo. Mas a Mata do Iguatemi virou o "Monte Sagrado". Abandonada pelo poder público, a Área de Proteção Ambiental (APA) de 300 mil m² cravada entre conjuntos habitacionais na zona leste abriga uma espécie de santuário evangélico sob uma cobertura densa de árvores nativas remanescentes da Mata Atlântica.

E não só. A metros dali, um trecho mais degradado serve de refúgio a moradores de rua e dependentes químicos, à beira da Estrada do Iguatemi, via principal do bairro Jardim Pedra Branca. Ao olhar do leigo, seria só um matagal cortado por um riacho turvo. De esgoto. E mais: para certos moradores, a APA é apenas um terreno baldio de capim com gradil arrebentado. Sinônimo de local para o despejo ilegal de entulho e lixo doméstico.

Não bastasse tanto, a Mata do Iguatemi serviu de moradia a famílias que construíram ali 40 barracos de madeira, nos idos de 2004. Nove anos depois, ainda tem parte do terreno invadido. E segue à espera da intervenção estatal (mais informações nesta pág.).

Criada em 1993, a menor das cinco APAs paulistanas deveria ser conservada para preservar a biodiversidade e manter o microclima da região (mesmo que a lei permita moradias e parques abertos à visitação). Até agora, porém, a Mata do Iguatemi não tem plano de manejo nem regras de uso.

A flora e a fauna dali não são inteiramente conhecidas. A Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, gestora da APA, afirma que as espécies estão sendo catalogadas. Frequentadores e vizinhos dizem avistar gambás, cobras, esquilos, lagartos, pássaros e tucanos. "É Mata Atlântica boa e deveria ser mantida intacta", diz a bióloga Luciene Lacerda, do Grupo de Recuperação de Áreas Degradadas da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. "O Parque do Carmo é perto, as pessoas podem usar lá."

O 'monte'. Não é o que ocorre. Manhã, tarde e noite, enquanto evangélicos sobem o morro e somem mata adentro a orar, sem-teto e dependentes químicos se escondem para fumar crack. Os grupos não se cruzam, porque ocupam faixas distintas da APA.

Enquanto os viciados ficam no matagal de baixo, atrás de capim alto, arbustos, lixo, roupas queimadas, fogueiras e barracas madeira e lona, os fiéis entram pela parte de cima, em uma trilha aberta em frente ao conjunto habitacional da Rua Coração Sertanejo.

O caminho assusta à primeira visita. Quem segue as ripas de madeira que demarcam o trajeto escuta, logo nos primeiros 50 metros, um zumbido seguido por uma série de sussurros. O som fica quase inidentificável, misturado ao ruído de grilos. As copas das árvores altas se fecham acima e ao redor, confundindo a visão.

Adiante, numa grande clareira, pode-se distinguir o lamento e as rezas do som de insetos e do piar de pássaros. É a primeira de uma série abertas ao longo da trilha.

Evangélicos perambulam e rezam pelas clareiras. Montam barracas e acendem fogueiras. "Aqui sinto a presença de Deus", diz Vagner dos Santos, de 36 anos, evangelista da Igreja Pentecostal Jesus Cristo É o Ministério. Frequentador do "monte" há 13 anos, diz que às vezes "os verdinhos" (guardas florestais) vão até lá e pedem para não cortarem árvores. Os crentes também apelam: pregaram duas placas com a inscrição "não destrua as árvores".

Ariane Muller, de 46, diaconisa da Assembleia de Deus Ministério Resgate, conta que os evangélicos simulam na APA uma passagem bíblica do Monte Sinai: "Está dito que Moisés subia o monte para buscar a Deus. Aqui, nos reunimos para fazer propósitos com Deus. Fazemos pedidos e aguardamos respostas".

Há quem passe o dia inteiro na mata. O pastor José Moura, de 49, fica em uma barraca de lona e plástico. Ele explica que ali as pregações não incomodam vizinhos. "A gente não tem aonde ir, a não ser as matas. A mata não é interditada nunca." Mas fiéis contam que o acesso foi fechado duas vezes, por volta dos anos 2007 e 2009 - quando deixaram de ir ao Monte. Mas há muito, relatam, "pessoas arrebentaram a grade". E o acesso ficou livre outra vez.



Fonte: Estadão
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