sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Lidando com o peso da culpa

Como psicoterapeuta, muitas vezes tenho a difícil tarefa de ajudar quem me procura a olhar para si mesmo e a assumir a responsabilidade sobre suas ações e comportamentos. Nem sempre é fácil. As queixas mais recorrentes são coisas como “Minha mulher me irrita”, “O vizinho azedou o meu dia” ou “Esse patrão me tira do sério”. E assim por diante – a culpa sempre é colocada no outro. Essa é uma tendência natural da natureza humana.

Certa vez, meu carro foi atingido na rua. O veículo estava estacionado e, quando cheguei, achei-o bastante danificado. Uma pessoa que viu o incidente disse que um motorista perdeu o controle e não teve como impedir a colisão. Para surpresa de muitos, o agente causador da batida deixara bilhete com todos seus contatos telefônicos. Quando liguei, aquele homem prontificou-se a cobrir meu prejuízo, mas disse que só bateu porque tivera de fazer uma manobra brusca para não atropelar um pedestre bêbado – fato que sequer foi mencionado pela testemunha. Ou seja: mesmo agindo honestamente para comigo, faltou àquele senhor coragem para assumir que cometera um erro ao volante. 

É assim que vivemos e convivemos. Temos dificuldades em assumir e lidar com o peso das nossas culpas. Isso começou no Éden. Lá, Adão, quando questionado se tinha comido do fruto da árvore proibida, preferiu esquivar-se, culpando sua mulher. Por sua vez, Eva responsabilizou a serpente. Desde então, esse tipo de comportamento tornou-se prática comum entre nós, humanos. O aluno indolente põe a culpa por seu fracasso acadêmico na didática da escola; o marido infiel diz que arrumou um caso para fugir do mau gênio da mulher; a mãe explosiva responsabiliza a desobediência do filho por havê-lo espancado. Alguns preferem atribuir os infortúnios provocados por seus próprios erros à ação de Deus ou do diabo. No entanto, o texto sagrado, em Miquéias 6.8, deixa bem claro que o Senhor já declarou em nosso coração o que é bom: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?”

A pior consequência para aqueles que não assumem seus próprios erros e fraquezas é a impossibilidade de uma mudança de atitude. Afinal, se a culpa está fora de nós, a conclusão óbvia é que não há engano de nossa parte – assim, não há razão buscar alguma transformação. Logo, continuamos a vida toda estagnados, sem sair do lugar, com as mesmas falhas, muitas das quais ferem e destroem outros. E a razão pela qual não assumimos a própria responsabilidade é porque não suportamos viver com a culpa. Todavia, ela é um tipo de guia que pode nos conduzir às necessárias mudanças na nossa convivência com o próximo e com Deus. Sim, há uma culpa saudável, que nos ajuda a refletir e a tomar alguma decisão sobre os erros cometidos. E quando assumimos que somos responsáveis pelo erro, poderemos buscar novos caminhos e ajuda para encontrar uma nova maneira de agir.

Quando reconhecemos o sentimento culposo e não sabemos o que fazer, ele pode se tornar desesperador. É daí que nasce o remorso, sentimento que acometeu Judas Iscariotes ao ver o resultado de sua traição a Jesus. Não soube o que fazer diante da própria culpa e tentou, ele mesmo, pagar o preço de seu erro. Destruiu a própria vida, mas não pagou pelo que tinha feito. É verdade que muitos dos nossos erros podem ser reparados, e seus maus efeitos, consertados; todavia, existem falhas que nem sempre temos como resgatar – e, muito menos, pagar por elas.

É neste ponto que entra a extensão da bondade do amor divino. Na pessoa de Cristo, Deus providenciou o pagamento para todas nossas mazelas, erros e pecados. Mas para isso é necessário que reconheçamos o tamanho da nossa dívida e a desgraça da nossa miserabilidade, bem como nossa total incapacidade para sanar seus efeitos. Enfim, é necessário que experimentemos, em todo nosso ser, os efeitos do arrependimento. Neste processo, não há como fugir de sentimentos como a humilhação, a vergonha, o fracasso e a impotência diante do Cristo crucificado. É na cruz, e só na cruz, que encontramos a aceitação, o acolhimento e o perdão de Deus, que traz a restauração e a força necessária para que continuemos a vida sem o peso da culpa. “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Isaías 53.5).

De posse desta verdade somos sarados e livres para também nos perdoarmos e nos aceitarmos, ao invés de gastarmos energias para negar ou transferir a outros a nossa própria responsabilidade. Assim, deixaremos de tentar pagar o que não pode ser pago e usaremos nossos recursos e nossa vontade para experimentar novas formas de procedimento diante de Deus e dos homens.



Fonte: Esther Carrenho em Cristianismo Hoje
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