domingo, 23 de outubro de 2011

Rodolfo Abrantes: Há 10 anos, escolhi uma vida de santidade

Já faz mais de 10 anos que o Raimundos, na boa e velha formação original com Rodolfo Abrantes nos vocais, acabou. Mas parece menos. Com a memória de moshs e estrofes cravadas de palavrões ainda fresca na cabeça, não foram poucos os amigos — adolescentes da saudosa década de 1990 — que me olharam consternados quando souberam que eu tinha horário marcado para entrevistar o cara que aceitou a Jesus e deu adeus à uma das bandas mais bem-sucedidas do Brasil pré-rock-felize- colorido. Quase pude ver uma lágrima escorrer do olho de um jovem empresário de 30 e poucos anos, que disse ainda ouvir “os álbuns dos caras, às vezes, no caminho da academia”.

Apesar da tristeza de seus fãs ou ex-fãs, Rodolfo parece muito bem. Para ele, os últimos 10 anos, divididos entre o surfe em Balneário Camboriú (SC), onde vive, e apresentações gospel pelo Brasil foram mais felizes do que o tempo que passou no topo das paradas das rádios e da MTV. Daquela época, ficou a saudade de pessoas queridas. E nada mais. O lugar escolhido para a entrevista não poderia ser mais adequado à nova fase — nem tão nova assim — do artista: uma igreja.

No Templo da Igreja Bola de Neve, no Buritis, em Belo Horizonte, nos falamos, dois dias seguidos, sempre depois do culto. O assunto principal é a Verdade, assim, com “v” maiúsculo, que ele encontrou numa vida perto de Deus, de acordo com o que está escrito na Bíblia. Longe do pecado e dos palavrões nas estrofes que canta, embora ele continue perto do rock.

No culto, você tocou uma música falando de santidade. Que santidade é essa sobre a qual você fala como se a gente pudesse ser santo?

Creio que a gente se torna parecido com o que adora. Quando adoro a Deus, isso influencia minha vida. Atributos de Deus começam a me mudar de dentro para fora. Uma vez, ouvi uma frase que dizia que santidade é uma postura de adoração. Se eu aplicar meu coração a adorar a Deus, vou ter menos tempo para fazer besteira, isso vai me edificar.

Você peca?

Só Jesus não pecou. A Bíblia diz que todos somos pecadores. Quem diz que não tem pecado é mentiroso. Mas, se pecarmos, temos um advogado junto ao Pai que intercede por nós. Alguém pode perguntar “Se todos somos pecadores, qual é sua diferença?”. E a diferença é o que faço com meu pecado: confesso para Deus. Abro meu coração, não vou guardar isso para mim, tendo a certeza de que Ele vai arrancar esse pecado de mim.

Faz isso todos os dias?

Cara, não tenho uma medida rígida. De certa forma, a gente sempre toma banho para encontrar o noivo [noivo é uma analogia para Jesus, na Bíblia. E a noiva é a igreja] e nesse processo começa a orar e, então, aquela besteira que você falou ou fez começa a incomodar.

Você tem uma Menorah [candelabro de sete velas que é símbolo do judaísmo tatuada. Fez depois que se converteu?

Foi. Estava louco querendo me afirmar. Já tinha várias tatuagens, mas depois de me converter comecei a fazer muitas outras. Foi um momento de tanta coisa mudando. Quando Jesus entrou na minha vida, ficou tudo tão bom: fui curado [de um câncer no estômago], fiquei livre das drogas, noivei. De repente, quando saí da banda virou um caos, porque comecei a ser criticado, odiado. Eu não tinha estrutura em mim para lidar com essa oposição toda, então, queria mostrar: “Olha, não fiquei louco. Estou me tatuando ainda”. Era uma forma de afirmar. Aí, lembro que um dia estava na frente do espelho e senti Deus falando comigo: “Chega, não precisa ficar mostrando para os outros quem você é. Eu que sei quem você é”. Meu, parei de me tatuar.

Você contou que, logo que se converteu, ficou perturbado, em conflito com outras verdades da sua vida. Como foi isso?

É algo do tipo: você edifica a vida inteira sobre certos fundamentos, o que você pensa, como age. Não quer nem pensar se está certo ou está errado. Só “eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo”. De repente, você conhece o maior amor do mundo, a maior expressão de misericórdia e perdão, da forma como Jesus fez comigo. Pensei: “O que fiz para Ele me amar assim?”. Deu um nó na minha cabeça. Porque não é pelo que você fez, mas por quem você é: Ele te ama. Comecei a pensar: “Meu, comecei a ver que foi a melhor coisa que me aconteceu.
Que amor é esse?” Quis conhecer Deus melhor. Então, fui ver os princípios que Deus estabeleceu e vi que comigo tudo era tão diferente deles. Quis alinhar minha vida à vontade de Deus.

Mas teve um fator de dificuldade?

Isso é o que Jesus chamou de “nossa cruz”: fazer a vontade de Deus todos os dias, em vez da nossa. Fácil não é.

Já havia uma busca por Deus na sua vida?

Tinha, sim. Lembro que, uma vez, a gente fez uma turnê pela Espanha, com os Raimundos. Antes de entrar no palco, eu rezava — não sabia falar com Deus, então rezava [rezar é repetir versos que foram escritos por outra pessoa, enquanto orar é se dirigir a Deus com suas próprias palavras]. Saiu uma matéria no jornal falando que eu era o roqueiro que rezava. De certa forma, tinha consciência. Mas não pensava muito, porque a verdade traz confronto. E eu não queria confronto, queria conforto. Até que a verdade me pegou e me fez tanto bem. Agora, eu quero a verdade.

Existe discriminação contra os evangélicos?

Com certeza. E, na maioria dos casos, com toda razão. Porque as pessoas, às vezes, querem fazer na força. Jesus não forçou ninguém a segui-lo. Se quiser, Ele está ali, disponível. Uma vez, estava conversando com o Victor Belfort, lutador [que também é evangélico], e ele disse: “Sou igual a Jesus, se abrir a porta, eu entro”. Tenho meus amigos, se notar que eles querem [saber mais sobre Jesus], se derem uma brecha, eu entro. Se não derem, não vou perder tempo.

Você falou de drogas: este ano, de um jeito especial, foi muito falado sobre descriminalização da maconha. Um dos argumentos é que, se houver regulação na venda e compra de maconha, o governo poderá canalizar seus recursos para coibir o tráfico de drogas mais nocivas à sociedade, como a cocaína, por exemplo. O que você acha disso?

Acho que, se quiserem combater as vendas, é só eles mesmos pararem de vender. Eles são os barões, o governo. Todo mundo sabe que vem lá de cima. Essa operação parece a de Cidade de Deus, quando vão tomar uma boca e o Zé Pequeno vai tomar a boca do Cenoura [na verdade, do personagem Neguinho] e ele fala: “Quem disse que a boca é tua, rapá?”. Parece que o governo está querendo tomar a boca dos traficantes. O viciado vai continuar comprando, mas em vez de comprar desse, vai comprar daquele.

Você acha que a maconha leva a outras drogas?

Acho que quando você usa uma se abre para usar qualquer uma. Não gostava muito de cocaína, porque não gostava do dia seguinte. Preferia maconha. Mas, não tinha temor: usava qualquer uma, ácido, não estava nem aí. Se eu fosse o governo, proibiria até o álcool — que, para mim, é a pior droga de todas.

Então, você não bebe?

Não.

Nem vinho?

Não acho errado, conheço muito cristão que bebe, mas não se embebeda. Na nossa igreja, o público com quem a gente lida tem muito ex-dependente [químico]. Se tiver um histórico de compulsividade, melhor não se pôr à prova.

Você ouve músicas que não são evangélicas?

Não.

E quais curtia antes?

Ramones, Dead Kennedys.

Se estiver tocando Ramones num lugar, você bate o pé, no ritmo?

A gente anda na rua e ouve música. Hoje mesmo estava tomando açaí e estava tocando música, não vou tapar meus ouvidos. Mas também não vou parar para ouvir, porque não me identifico. Para mim, hoje em dia, a letra vale muito mais do que o barulho. E som por som, tem muito som de crente bom pra caramba.

O seu som gospel não é tão pesado.

Tô ficando velho [risos].

Você disse ontem e em várias entrevistas que seus últimos 10 anos foram os mais felizes da sua vida. O que levou isso?

É um conjunto de coisas, nem sei como explicar tudo o que Deus tem feito em minha vida. Mas o fato de ter um sentido para viver, um propósito, ter entendimento que não tinha lugar nenhum melhor para você estar, nada melhor para você viver do que aquilo que está vivendo e fazendo naquela hora, acho que centra a gente na vida, neste tempo.

O que faz para se divertir, atualmente?

Muita gente acha que crente não pode fazer nada. Quando estou em Balneário Camboriú (SC), uma cidade muito bonita, lá tem altas ondas, pego onda todo dia. Sou do dia, faço uma caminhada, dou uma remada, vou até uma ilha próxima. Gosto do mar.

Você nasceu em Brasília, morou em São Paulo, mas hoje escolheu Balneário Camboriú. Por quê?

Me apaixonei pela minha mulher lá. Quando saí da banda, não tinha mais motivos para continuar em São Paulo, sempre ia visitar meus sogros lá. O estilo de vida é muito legal, se pudesse escolher uma cidade no Brasil para viver seria lá.

Você vai fazer 40 anos. Muitos homens entram em crise nessa idade. Será que vai acontecer com você?

Não vejo a hora de chegar aos 40 anos. Com 38, você é o mais velho dos 30. Quando faz 40, fica o mais novo dos 40 [risos]. Não por isso. Mas por vir da geração que eu vim, com o passado que tive e chegar aos 40 com saúde, estou feliz da vida.



Fonte: Sabrina Abreu na Revista Ragga
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